(ou Indagações de Uma Divulgadora Principiante)
Produzir
divulgação cientifica não é um trabalho fácil. Se você é um especialista da
área sempre corre o risco de produzir algo muito técnico, se você é um leigo no
assunto corre o risco de ser muito superficial e se você é um jornalista, corre
o risco de parecer leviano com o assunto sobre o qual escreve visando maior
repercussão para o público leitor.
Não consegui me sentir imune a
nenhuma dessas armadilhas, situação que me deixou muito inquieta, por isso
resolvi pesquisar mais sobre os bastidores da divulgação científica. Como são
escolhidos os temas? Quem são os profissionais que produzem esses textos? Quais
os critérios seguidos para tornar o texto mais acessível ou mais atraente? E as
perguntas não acabavam, quanto mais eu
procurava, mais perguntas surgiam. Então decidi compartilhar algumas indagações
sobre dois casos que, a meu ver, exemplificam bem algumas das problemáticas
enfrentadas pelos divulgadores científicos.
O primeiro caso é o de uma matéria publicada na página
virtual do jornal Folha de São Paulo por uma
jornalista, baseada em um artigo científico sobre a hepatite C escrito por um grupo de pesquisadores da USP
e noticiado pelo blog de um deles, o Rainha Vermelha.
Para quem quiser conhecer mais sobre
o caso eu recomendo acessar os links acima, mas vou resumir a história: a
reportagem da Folha de São Paulo dizia que “homens jovens e promíscuos são
as vítimas preferenciais da hepatite C”. Ao utilizar a palavra
promiscuidade, que na nossa sociedade é carregada de um sentido pejorativo,
ausente no artigo original, a jornalista
acabou por ofender um grande número de leitores portadores de hepatite C.
Algumas das reações dos leitores podem ser vistas em um post publicado
no Rainha Vermelha, que discute a forma como as informações científicas podem
ser distorcidas pela mídia.
O que levou a jornalista a criar
essa roupagem tão sensacionalista para a sua reportagem? Esse é um
questionamento que eu me faço e que nos permite refletir sobre vários problemas
da divulgação científica. Será que foi apenas um deslize em que o juízo de
valor particular da repórter transpareceu no texto, será que foi falta de
conhecimento a respeito do tema, ou será que realmente a jornalista teve o
objetivo de chamar a atenção dos leitores, polemizando e se utilizando de termos
que não foram empregados no trabalho original para que seu artigo fosse
publicado?
Isso me leva ao meu segundo exemplo,
retirado de um site chamado “the open notebook”. Essa
página virtual trata de abordar os bastidores da divulgação científica,
entrevistando jornalistas sobre como foram feitos seus artigos. Nela encontrei
a entrevista com o jornalista Adam Roger que nos
dá uma ideia da influência dos editores das revistas de divulgação sobre as
matérias publicadas e como os temas são escolhidos e trabalhados.
Eu tinha essa idealização a respeito
de como os temas de divulgação são escolhidos, acreditava que tinha quer ser
algo da sua área de pesquisa, ou uma temática muito atual e relevante
cientificamente, mas em um trecho da reportagem quando Roger foi indagado sobre
como chegou ao tema ele responde “Isso vai soar muito ruim, mas eu não lembro exatamente.
Acho que foi algo em um blog tarde da noite ou no twitter. Eu caí em uma toca de coelho virtual...”.
Esse trecho me deixou aliviada, ele
não era muito diferente de pessoas comuns como eu. Vagar pela internet é algo
que eu sei fazer. Inclusive ele confessa em outro trecho que o fato de gostar
de uísque (a reportagem é sobre um fungo que cresce nos arredores de uma
fábrica de uísque) foi um dos motivadores para a escolha da história. Na
sequência da entrevista ele conta um pouco sobre os bastidores das
revistas, revelando que não tinha nenhum
esboço de reportagem quando em uma reunião com os editores chefes soltou
algumas suposições, como “este fungo pode até ter algo a ver com a forma como o
uísque é feito” , suposição que acabou se
provando errada.
Dei mais um passo rumo a
compressão do fazer da divulgação cientifica. Também se fazem suposições
erradas na divulgação e não só na ciência. Na
introdução do livro “Ciência em Ação” Latour
resume muito bem essa faceta da ciência; ele nos diz que a ciência tem duas
faces, aquela que sabe e a outra que ainda não sabe. Talvez
nosso colega Roger só estivesse tentando impressionar os editores, ou talvez
ele realmente achava que estava prestes a relatar uma descoberta sobre como os
fungos influenciavam o uísque, mas o mais importante, pra mim, é reconhecer
nesse relato o caminho irregular que eu também estou trilhando.
Quero destacar um ponto do texto, em
que Roger assume que a falta de um desfeche
foi um problema para os editores. A pesquisa não teve um grande final
como nos filmes de investigação, ela não explicou o porquê dos fungos crescerem
daquela forma, mas nem por isso deixou de ser interessante, mostrando o dia a
dia do pesquisador e a descrição de um novo gênero. Mas será que isso era
suficiente para vender uma revista e para impressionar os leitores?
O que se deu por fim, foi que a
reportagem foi aceita e o jornalista termina a entrevista dando um relato muito
inspirador para nós, divulgadores. Ele diz “faz algum tempo que temos tentado mostrar que as
partes mais interessantes da ciência são aquelas que as pessoas ignoram. Quando
você resolve algo, aquilo vira algo feito e morto. A ação está nas fronteiras
da ciência [...]”
Então
leitor, não me julgue, mas a verdade é que sou só uma divulgadora principiante,
e as minhas incertezas e inseguranças são
muito maiores que as minhas certezas a respeito da área, e segundo Latour a primeira decisão que devemos tomar é como será nossa
entrada no mundo da ciência, se será
pela porta de trás, a da ciência em contrução, ou pela porta grandiosa da
ciência acabada. Acho que sempre estive mais inclinada à primeira opção e por
isso ainda não respondi todas as minhas dúvidas sobre produção de textos de
divulgação científica, mas estou um pouco mais perto disto.